terça-feira, outubro 17, 2006

ilkbahar - sonbahar

Uma jovem Rapariga, vestida de negro, de olhar perturbado e coração de andorinha. Desliza entre os convivas de uma festa ao ar livre. É fim de verão, talvez a última noite amena do ano, sente-se o cheiro das folhas do Outono e a transição dos verdes para castanhos dourados acontece ao mesmo tempo que ela sorri e abraça quem conhece. Sente vontade de esticar e prender cada momento de reencontro. Sabe o peso de cada sorriso trocado, saboreia a intensidade de cada ausência preenchida por instantes.

Ela sabe que Ele está aqui. Ainda não O viu e Ele não suspeita sequer da sua proximidade. Antecipa o momento para logo a seguir esquecer enquanto distribui carinhos e ternuras. O seu olhar descai para a prega do vestido descomposta e pensa que deveria ter optado pela saia de cetim. Quando levanta a cabeça… vê-O. O coração ilumina-se, sente fogo de artifício a iluminar-lhe o peito e de dentro do corpo um botão de flor abre-se de forma redonda e perfeita. Os seus lábios não se movem, contudo os seus braços e pernas afastam suavemente todos os que estão entre Ela e Ele. Os seus olhos estão presos um no outro e o sorriso, que Ela vê desenhado nas rugas vincadas do rosto d’Ele, resgatou a felicidade que Ela julgava ter perdido nessa primavera.

segunda-feira, outubro 09, 2006

aaaaaahhhhh!!!!!!

Desejo de gritar, de soltar amarras, de conduzir a alta velocidade numa autoestrada sem fim. Não ter destino e seguir, não procurar ninguém, nem lugar algum, só ir, ir ir ir ir....
Desligar-me de mim, dos outros, das coisas, de existir, de ser, de ter , de pertencer. Ser o nada, o além, o inalcançável. Não ser.
Largar-me num precipício e sentir finalmente um sorriso a nascer-me nos olhos e nas covas da face. Acreditar que a vida é mais do que isto, que esta prisão, este sentir-me colada, repleta de anseios, de medos, de pequenos nadas que são demasiado para mim, que me enchem até ao âmago, que fazem de mim um monstro desprezível, uma pessoa vulgar e sem interesse, um humano, uma espécie reles de humano. Poder sentir-me livre, das exigências dos outros, das que me imponho a mim própria. Dar o que tivesse de dar, de receber e sentir que cada oferta seja um magnânimo e maravilhoso presente. Não desejar mais, não querer mais, demais. Terminar com tudo o que faz de mim humana e tão mesquinha. Ser sobrenatural, extraordinária, fada, duende, besta, unicórnio, quimera, centauro, elfo, demónio, gárgula... não ser eu. Ser de alguém talvez, mas não ser de mim. Alguém percebe, compreende esta necessidade última de transcender-me a mim própria e transcender este plano que me prende e amarra qual Gulliver em Lilliput?
Serei a única a querer escapar a nós que, de tão fugidios, a cada sinal de fuga apertem mais e mais? Será este mais um sintoma de quem não sabe lidar com a vida, com a idade, com a existência ou apenas um momento de exaustão passível de desaparecer, de se desfazer em pó, por não ser nada?
Já sei, já sei. Vou usar o velho truque de me concentrar na ideia racionalista de que todos os meus sentimentos advêm de biomoléculas que interagem no meu cérebro, ao nível celular, transmitindo estas ideias e emoções. Nada do que sinto e sofro é verdadeiro de facto. Resume-se a uma quantidade finita de átomos organizados que se libertam numa qualquer perdida extremidade e são captados noutra. Minimizar o que se sente é sempre uma boa estratégia...
(suspiro)
Há dias assim... em que devia poder dispor do meu tempo para me isolar do mundo e dedicar-me a fotografar, a desenhar, a escrever, ou a observar apenas. Os outros que vivam. Basta-me ver sem intervir. Sinto já tanto mesmo assim... Decerto que a maioria das pessoas não vive atormentada como eu. Vive o que tem de viver, não interrompe o fluir normal do seu curso com questões pseudo-exisencialistas e nem, por isso, depende do seu estado de espírito para sobreviver. E decerto, não chora por ver chorar, nem sofre por ver sofrer. Não absorve cada uma das pequenas, ínfimas emoções que transparecem à sua volta, sejam elas de pessoas amadas, simples conhecidos, ou figuras ambulantes, quasi fantasmas sem nome, nem rosto definidos. De todos os seres existentes, viventes e não-viventes, porque razão, porque razão, havia eu de pertencer aos que não podem ser indiferentes?

quinta-feira, outubro 05, 2006

Porque folheei um livro antigo e encontrei nesta página uma flor esmagada



PUDESSE EU

Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Pra poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes.

in Poesia I, 1944

Sophia de Mello Breyner Andersen
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